Ultimamente a obtenção de provas decorrente do vazamento de conversas e invasões de privacidade tem se tornado objeto de um debate frequente e acalorado no meio social.
Mas afinal, qual é a relevância deste fato para o processamento do feito penal ?
Temos em nossa Constituição Federal, no artigo 5º, inciso LVI: ''São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos''. Essa norma constitucional preserva o processo penal, e evita que seja contaminado com evidências obtidas por meios ilícitos, conforme dispõe a famosa ''Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada'', defendida e lecionada por grandes doutrinadores do Direito Penal.
Da mesma forma, temos positivado no artigo 157 do Código de Processo Penal: ''São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais''.
Assim, é inquestionável que vigora no ordenamento jurídico brasileiro a regra de que a prova obtida por meios ilícitos não pode ser admitida no processo, sob o risco de contaminar as demais provas, e o próprio feito processual como um todo.
A situação mais comum na qual ocorre a obtenção da prova por meio ilícito é a interceptação telefônica efetuada sem autorização judicial. O Superior Tribunal de Justiça já possui posição jurisprudencial consolidada, no sentido de considerar ilícita a interceptação telefônica realizada sem autorização judicial (HC 64.096/PR).
Contudo, tal preceito não deve aplicar-se somente ao caso de interceptações telefônicas, mas sim, a qualquer situação de quebra de sigilo diante da inexistência de autorização judicial. Por exemplo, existem inúmeros casos nos quais a Polícia constringe o acusado a desbloquear seu telefone, de forma a quebrar o sigilo de suas conversas particulares, para que o conteúdo seja usado como prova de acusação. Reitero, nessa situação exemplificativa o meio de obtenção de prova é tão ilícito quanto uma interceptação telefônica sem autorização judicial.
Conforme foi visto anteriormente, a fragilidade na obtenção da prova por meios ilícitos contamina as demais provas do processo.
Nesse diapasão, considerar no processo penal a inclusão de uma evidência obtida por meios ilícitos vai contra, não apenas à legislação processual penal, mas também à própria Constituição Federal que preceitua essa proibição, devendo assim a referida prova ser declarada nula, a fim de preservar o bom andamento do feito penal, o princípio constitucional do devido processo legal e o julgamento justo e imparcial.
Contudo, devemos nos atentar às exceções, precedidas inclusive por julgados do próprio Supremo Tribunal Federal. São elas:
1- Provas derivadas das ilícitas
Quando há provas que derivam de evidências ilícitas no processo, encontramos óbice no artigo 157, §1º do Código de Processo Penal, o qual aduz que ''São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas''.
Não obstante, se não restar provado o nexo de causalidade entre essas evidências, as derivadas podem ser admitidas e usadas no processo sim. Esse caso ocorre quando as provas derivadas poderiam ter sido obtidas através de uma fonte independente das provas ilícitas.
O Supremo Tribunal Federal já possui posicionamento firmado acerca dessa questão, conforme o julgamento recente do HC nº 156157:
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. QUADRILHA, CORRUPÇÃO PASSIVA, VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL, FALSIDADE IDEOLÓGICA E LAVAGEM DE DINHEIRO. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS AUTORIZADAS POR DECISÃO JUDICIAL. ALEGAÇÃO DE “QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA”. PERDA OU SUBTRAÇÃO DE PARTE DAS GRAVAÇÕES. CONSTRAGIMENTO ILEGAL RECONHECIDO NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE NA DETERMINAÇÃO DE REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA. 1. As provas ilícitas, bem como todas aquelas delas derivadas, são constitucionalmente inadmissíveis, mesmo quando reconduzidas aos autos de forma indireta, devendo, pois, serem desentranhadas do processo, não tendo, porém, o condão de anulá-lo, permanecendo válidas as demais provas lícitas e autônomas delas não decorrentes, ou ainda, que também decorreram de outras fontes, além da própria prova ilícita; garantindo-se, pois, a licitude da prova derivada da ilícita, quando, conforme salientado pelo Ministro EROS GRAU, “arrimada em elementos probatórios coligidos antes de sua juntada aos autos”. 2. Assentou o Superior Tribunal de Justiça que, em matéria de provas ilícitas, o art. 157, § 1º, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n. 11.690/2008, excepciona a adoção da teoria dos frutos da árvore envenenada na hipótese em que os demais elementos probatórios não estiverem vinculados àquele cuja ilicitude foi reconhecida. 3. Não há, portanto, nenhuma ilegalidade na remessa dos autos ao Juízo processante de primeira instância, a quem ordinariamente compete o primeiro exame dos elementos de prova pertinentes à causa, para o fim de selecionar e expurgar as provas contaminadas, mantendo hígida a porção lícita, delas independente. Em outras palavras, não cabe a esta CORTE, nesta via estreita, se antecipar e proferir qualquer decisão acerca da legalidade de provas que nem mesmo foram analisadas pelo Juízo competente. 4. Agravo Regimental a que se nega provimento.
(HC 156157 AgR, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 19/11/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-251 DIVULG 23-11-2018 PUBLIC 26-11-2018)
2- Provas ilícitas que beneficiem o réu
A presente exceção possui posição pacífica e consolidada, não só na doutrina mas na jurisprudência pátria conforme posicionamento do STF. As provas obtidas por meios ilícitos podem ser admitidas no processo, desde que para beneficiar, isto é, para serem usadas em favor da defesa do réu. A referida exceção pauta-se, segundo a doutrina e a jurisprudência, nos princípios constitucionais da presunção de inocência do réu e da proporcionalidade.
O STF já se pronunciou a respeito, quando da análise de uma gravação clandestina realizada por um dos interlocutores da conversa, como meio de defesa, no HC 74678, vejamos:
EMENTA: "Habeas corpus". Utilização de gravação de conversa telefônica feita por terceiro com a autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento do outro quando há, para essa utilização, excludente da antijuridicidade. - Afastada a ilicitude de tal conduta - a de, por legítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime -, é ela, por via de conseqüência, lícita e, também conseqüentemente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, para invocar-se o artigo 5º, LVI, da Constituição com fundamento em que houve violação da intimidade (art. 5º, X, da Carta Magna). "Habeas corpus" indeferido.
(HC 74678, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 10/06/1997, DJ 15-08-1997 PP-37036 EMENT VOL-01878-02 PP-00232)
Com isso, podemos concluir que pela regra geral a admissibilidade da prova obtida por meios ilícitos é vedada pela Constituição Federal e pela legislação. Todavia, devemos sempre ficar atentos às exceções balizadas pela doutrina e pelo entendimento jurisprudencial conforme o exposto.
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